Pelo fim da cultura do estupro
Por André Roedel
Nesta semana, quase todo o Brasil ficou revoltado com a notícia da jovem de 16 anos que foi dopada e estuprada por 33 homens em uma comunidade do bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Não bastasse tamanha covardia, um dos agressores publicou um vídeo no Twitter em que a garota aparece nua, com suas partes íntimas expostas. Uma barbárie que está sendo investigada e precisa acabar com uma punição exemplar aos criminosos.
Mas por que “quase todo” o país ficou revoltado? Simples: existem pessoas que acreditam que a menina “mereceu” aquilo. “Pediu pra ser estuprada”, muitos comentaram nas redes sociais nos últimos dias. “Não devia ser flor que se cheire”. “O que uma garota dessa idade foi fazer num lugar daqueles?”. “Deve ter se insinuado para os caras, eles não são de ferro”. Sim, em pleno ano de 2016 ainda existe uma (grande) parcela da população que pensa assim.
Deixe-me contar uma história: em 2009, no meu primeiro ano de faculdade de Jornalismo, participei de uma festa na casa de um amigo. Acabei tendo uma crise de enxaqueca e me recolhi num dos quartos. Em determinado momento da noite, uma moça – visivelmente bêbada – adentrou e se deitou na mesma cama que estava. Imediatamente me retirei e, em respeito, a deixei só. Contei essa mesma história para alguns conhecidos e, para minha surpresa, ouvi de um deles: “você devia ter aproveitado”, ou algo do gênero.
Esse – junto com todos os “argumentos” citados acima – é um dos sintomas que comprovam que vivemos uma cultura do estupro. Nossa sociedade culpa a vítima. Acha que ela pode evitar algum tipo de abuso vestindo determinada roupa ou agindo da maneira “certa”. Romantiza a conquista a qualquer preço. Julga o agredido e não o agressor.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança divulgado no ano passado, a cada 11 minutos uma pessoa é estuprada no país (47,6 mil casos em 2014). E olha que esse estudo conta apenas os casos registrados com boletim de ocorrência. O número real de agressões sexuais deve ser ainda maior, pois grande parte das vítimas não denuncia. E por diversos motivos, desde o medo de represálias maiores ou até mesmo porque o agressor é um familiar.
Nesse momento em que a população discute esse absurdo caso ocorrido no Rio de Janeiro, é meu dever como homem repensar minhas atitudes e ajudar a conscientizar outras pessoas (até mesmo mulheres) que ajudam – em conjunto com o machismo intrínseco na população – a perpetuar a cultura do estupro. Isso começa com pequenas atitudes, como parar com as cantadas desrespeitosas às mulheres, não tentar “roubar um beijo” na balada e evitar comentários machistas nas redes sociais.
Aos poucos, quem sabe, os números relacionados à violência sexual contra as mulheres – e homens também, pois existem casos de estupro contra nosso gênero – caiam drasticamente. Afinal, eu quero viver numa sociedade em que eu não precise me preocupar quando a minha mãe, minhas irmãs ou qualquer outra mulher saia de casa. Mais do que isso: que ELAS não precisem se preocupar quando, por exemplo, caminham por uma rua escura e um homem aparece logo atrás.
Que essa triste notícia da jovem vítima de uma covardia sem tamanho sirva como um despertar para nossa sociedade. Um despertar para uma sociedade que valorize mais a mulher. Um despertar para uma sociedade que valorize mais a vida humana. Um despertar para o fim da cultura do estupro de uma vez por todas.