“Periscópio” entrevista comandante do Quartel de Itu

Tenente Coronel Erb Lyra Leal também comenta sua trajetória nas Forças Armadas, seu período atuando no Haiti, preparação para as Olimpíadas e a ligação com a cidade

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Ana Luísa Tomba, Daniel Nápoli e Fernando Campos

De volta ao Regimento Deodoro desde janeiro deste ano, o Tenente Coronel Erb Lyra Leal, 34 anos, já é grande conhecido entre os ituanos. Com passagem anterior pela cidade entre 2002 e 2007, hoje Erb realiza o sonho de comandar o Quartel de Itu.

À frente da instituição, o Tenente Coronel terá uma missão especial: preparar os militares da cidade para dar suporte à segurança nacional durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Dos 460 homens que integram o 2° Grupo de Artilharia de Campanha Leve – o famoso “Quartel de Itu” –, cerca de 250 estarão envolvidos nesse trabalho.

Em entrevista ao “Periscópio”, o comandante do Regimento Deodoro comentou os detalhes da preparação e do planejamento para a ação das Olimpíadas de 2016. Além disso, Erb falou sobre as experiências adquiridas ao longo da vida, o risco da profissão e seu amor incondicional pela cidade de Itu.

Como foi sua trajetória até chegar a Itu, pela primeira vez, em 2002?
Eu estava como instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras. Depois, saí para fazer um curso de aperfeiçoamento de oficiais no Rio de Janeiro. Tive o prazer de chegar aqui em 2002 e fiquei até o início de 2007. Foram seis anos muito felizes. Eu nunca tinha servido no interior de São Paulo; achei que ia ficar pouco tempo, porque nossa profissão tem uma rotatividade muito grande. Em 2004, acabei casando com uma ituana, minha esposa Sheila, aqui na igreja do Quartel. Em 2007, eu fui fazer mais um curso no Rio de Janeiro de dois anos e, de lá, parti para Ponta Grossa, no Paraná. Depois morei um ano no Haiti, voltei para Brasília para trabalhar no gabinete do Comandante do Exército, fui para os Estados Unidos, onde nasceu meu filho Gabriel, e voltei para o Brasil, só que dessa vez para Campinas e, depois, finalmente, voltei para Itu. Minha mulher me acompanhou em todas as viagens; só não pôde me acompanhar na missão do Haiti. E todo esse conjunto me motivou a querer voltar um dia e realizar um sonho, que é comandar o Regimento Deodoro.

Como surgiu seu interesse pela área militar?
O meu pai, Ademário Pereira Leal, foi Sargento do Exército e hoje é Capitão aposentado. Mas desde cedo tive curiosidade e vontade de participar. Eu gostaria de ter ido para a Força Aérea, mas no Ensino Médio descobri que eu era míope e pensei: ‘para ir à Força Aérea e não voar, eu prefiro ir para o Exército’. E essa decisão foi uma das mais sábias que eu fiz. Estou muito feliz e realizado na profissão que eu escolhi e tenho certeza que, se eu tivesse ido para a Força Aérea, eu não teria me realizado tanto.

Como foi sua experiência no Haiti?
No Haiti, eu fui designado para trabalhar na Coordenação Civil Militar da Missão. Eu trabalhava na interligação do componente Militar da missão com as diversas ONGs (organizações não-governamentais), com o governo haitiano e com a própria parte civil da missão.

Quais diferenças você notou quando voltou para Itu este ano?
Olha, o Quartel é curioso. Ao mesmo tempo em que está igual, está muito diferente. Igual no sentido de relacionamento com a sociedade, que continua maravilhoso. O carinho que o ituano tem pelo Quartel é muito bacana e se manteve. Até a tradição de chamar o Regimento de “Quartel de Itu”, que começou lá em 1918, continua. O que mudou foi o material. Hoje nossos instrumentos estão muito mais modernos. Mas o mais importante, que é esse contato com a sociedade ituana, não mudou, graças a Deus.

Quais são os trabalhos em andamento da sua gestão como Comandante? E sobre os projetos aqui do Regimento?
Na verdade, a gente tem como característica uma continuidade nos comandos. Não precisamos iniciar e terminar um trabalho na mesma gestão. Estou continuando o trabalho iniciado na gestão anterior e começarei alguns projetos que sei que terão continuidade no futuro. O grande desafio aqui é a manutenção das nossas instalações, como a parte hidráulica, pintura, corte de grama e instalações desse tipo. Nós temos hoje um efetivo muito reduzido e com os recursos extremamente escassos; essa é a grande dificuldade deste ano. E o grande projeto do Regimento Deodoro é abrir as portas do Quartel para visitação aos finais de semana e durante a semana também, particularmente a área do Jardim do Comandante e o museu.

Como está sendo a preparação do Exército para a ação nas Olimpíadas?
O Exército de São Paulo está articulado no que a gente chama de divisão do Exército, com o Grande Comando, que está em São Paulo e duas brigadas, que são dois conjuntos de quartéis. Nós temos uma Brigada sediada no Vale do Paraíba e outra em Campinas. Essa Brigada do Vale do Paraíba vai descer para agir no Rio de Janeiro. Em consequência, a 11ª Brigada, que é a de Campinas, a qual eu estou subordinado, vai assumir todo o estado de São Paulo. Essa Brigada divide-se nas cidades de Itu, Lins, São Vicente e Pindamonhangaba. São vários exercícios em que nós vamos criar várias situações simuladas para ver a reação do grupo, fazer uma análise para retificar ou ratificar vários desses procedimentos.

Como são essas simulações?
Elas vão acontecer em Paulínia, dos dias 13 a 17 de junho, e são situações do tipo: perturbações da ordem, explosões de bombas, tentativas de sequestro, atos terroristas e outros diversos cenários montados para ver a preparação do nosso pessoal.

Quando começou esse treinamento da ação nas Olimpíadas?
Na verdade, a preparação começou ano passado com a parte orçamentária. Este ano, começamos o planejamento em janeiro; a incorporação de novos soldados aconteceu em fevereiro e, desde então, o treinamento começou.

Vocês vão agir durante toda a Olimpíada?
Nós começamos efetivamente em julho e vamos agir até o final de agosto, porque inclui as Paralimpíadas também. Especificamente em São Paulo, onde ocorrerão sete ou oito rodadas de futebol, que é onde a gente vai agir mais diretamente na segurança dos jogos. Depois, indiretamente, nós vamos ficar de prontidão no Estado de São Paulo inteiro, para eventual necessidade.

Qual vai ser o deslocamento de vocês?
Normalmente, nós nos deslocamos, pelo menos, um dia antes e saímos, pelo menos, um dia depois. O cronograma de deslocamento vai depender diretamente da tabela dos jogos, mas é claro que a gente também faz uma avaliação do risco. Precisamos ver a seleção que estará jogando, para aumentarmos o grau de segurança conforme a necessidade.

O Exército vai trabalhar em conjunto com outra polícia?
Sim. Nós temos o Centro de Operações em conjunto, que vai integrar diferentes órgãos, como Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal, Bombeiros, SAMU, que é fundamental nesse tipo de operação, a Guarda Civil Municipal. Enfim, todos os atores direta ou indiretamente ligados à segurança pública estarão representados nesse Centro de Operações, que vai funcionar em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Todos os soldados têm treinamento para usar todas as armas?
Sim. Alguns são mais especializados. De acordo com o grau de especialização de uma tropa, nós vamos empregando o equipamento bélico conforme a necessidade. Eu vejo que cada quartel tem a sua vocação, a sua preparação específica. Eu tenho um pessoal muito bem treinado para a montagem de um posto de bloqueio, de um patrulhamento ostensivo, por exemplo.

Houve alguma mudança no treinamento quando surgiram os boatos de ataque terrorista nas Olimpíadas?
Na verdade, essa hipótese sempre foi trabalhada. Um evento dessa magnitude sempre tem que raciocinar com a hipótese de terrorismo. Então não houve nenhuma preparação específica por causa disso. O que nós fizemos foi mudar o nosso cronograma de preparação, antecipando muita coisa que seria treinada só no segundo semestre, para que os soldados estivessem, efetivamente, em condições de ir para a rua.

Você já viveu alguma situação de risco?
Tiveram algumas passagens no Haiti, mas isso faz parte da profissão. Nós sempre trabalhávamos em dupla. Eu estava junto com o meu amigo canadense e nós estávamos socorrendo um garotinho que tinha sido atropelado, e a população começou a se revoltar, achando que nós é que tínhamos o atropelado. Mas o garotinho tinha sido atropelado e o atropelador fugiu do local. Quando estávamos dando assistência ao menino, a população começou a chegar perto, e, apesar de não falarmos o “créole” (idioma do Haiti), percebemos que a atitude não estava muito amistosa. O meu amigo canadense chegou a ser empurrado por um dos haitianos. A gente tentou uma comunicação para explicar que estávamos ajudando, até mostramos a bandeira, mas, na verdade, foi o garotinho que falou que a gente estava ajudando, para a população se acalmar e que não tinha acontecido nada. E, graças a Deus, o garotinho ficou bem, só teve uma fratura na perna.

Como você lida com o medo?
Depende muito da situação. Porque às vezes o grau de adrenalina supera o medo. Às vezes você não avalia nenhum risco que esteja correndo por conta da adrenalina muito alta. Mas o medo faz parte do dia a dia, e, na verdade, é o medo que te impulsiona para frente. O medo nada mais é do que o mecanismo de preservação da vida, então a gente tem que saber trabalhar isso. Para nós, é uma dicotomia, mas é preciso saber lidar com isso. Quando nós estávamos no Haiti, nós avaliamos muito isso. Adotamos uma política de aproximação lá, em que nós não usávamos armamentos ou equipamentos de proteção, para justamente trabalharmos junto das ONGs e dos grupos mais deslocados. Apesar de ser uma vestimenta normal que nós usávamos – capacete, colete à prova de balas e uma pistola -, as pessoas tinham muito receio de comunicar-se com a gente. Então tiramos tudo isso para fazer a aproximação. É um risco? É. Mas ao mesmo tempo, havia mais possibilidade de aproximação. E os resultados foram muito bons.

E qual é a expectativa do Exército em atuar em um evento tão grande?
A expectativa é muito boa. É uma oportunidade de relembrar procedimentos, incorporar novos ensinamentos, revisar a doutrina, aprender. Muita coisa se aprendeu no envio de tropas ao Haiti, no envio de tropas para a pacificação do Rio de Janeiro, até mesmo com a operação da Copa do Mundo. E agora nós vamos colocar em prática muitos procedimentos que foram aperfeiçoados, e, certamente, novas oportunidades de melhorias irão surgir.

Algum aviso ou pedido para a população nessa época de jogos Olímpicos?
O que a gente pede para a população é o entendimento do nosso trabalho e principalmente que nos ajudem, que cooperem. Viu alguma atitude suspeita, alguma coisa que fuja do normal? Liga para o 190.

Você tem alguma mensagem para a população ituana?
A maior mensagem é que a população ituana continue chamando o Regimento Deodoro de “Quartel de Itu”. Isso revela todo o carinho que o ituano tem com cada um de nós aqui, e podem ter certeza que essa recíproca é verdadeira. Nós temos pessoas dos quatro cantos do Brasil aqui e toda essa gente é apaixonada por Itu. Então, tenham certeza que esse carinho é recíproco.