Projeto que valoriza raízes africanas é adiado na Câmara de Itu
Na última quinta-feira (15), excepcionalmente por conta do Carnaval, a Câmara de Vereadores realizou sua segunda sessão ordinária do ano. O destaque não foi uma aprovação, mas sim o adiamento de um projeto de lei. Por nove votos a três, os parlamentares aprovaram o adiamento por cinco sessões do Projeto de Lei Nº 129/2023, que institui no município o Festival “Raízes de Itu”.
De autoria do vereador Dr. Ricardo Giordani (PL) e assinado também por Mané da Saúde (PDT) e Thiago Gonçales (PL), o referido projeto visa celebrar a cultura popular brasileira no mês de março, em conformidade com a Lei Federal nº 14.519, de 5 de janeiro de 2023, que instituiu o dia 21 de março como o “Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé”.
Segundo o projeto, o Festival “Raízes de Itu” tem como objetivo principal “promover a valorização e a difusão da cultura popular brasileira, em especial a cultura de matriz africana e as tradições do Candomblé, buscando fortalecer o respeito à diversidade cultural e religiosa presentes em nosso município”. Ele seria composto de feira gastronômica, apresentações artísticas, palestras, oficinas e outras atividades.
Porém, como o projeto faz referência a uma religião de matriz africana (o Candomblé), vereadores evangélicos teriam articulado nos bastidores o adiamento do mesmo. O pedido foi realizado pela vereadora Célia Rocha (PL), mas ela apenas foi “porta-voz” da solicitação de adiamento, atendendo a uma solicitação do próprio Giordani – entenda melhor a seguir. Apenas dois dos autores, Thiago e Mané, além da vereadora Patrícia da ASPA (PSD) foram contra o adiamento. Giordani não votou por ser presidente.
“Eu quero ver daqui cinco sessões o porquê do adiamento desse projeto”, declarou Mané em questão de ordem, apontando que o adiamento prejudica o festival, que deveria ser realizado no mês de março. A partir daí, uma sequência de questões de ordem teve início. Giordani afirmou que tem um posicionamento muito claro com projetos que envolvem cultura e religião e que se passa um, todos devem passar, mas compreendeu que o plenário é soberano.
“Na minha opinião muito clara, não deveria ter [projeto] para nenhuma [religião], porque o Estado é laico. Mas como passa o boi, que passe a boiada”, comentou o presidente, recordando as discussões em cima de projetos do ex-vereador Rodrigo Macruz, que homenageavam umbandistas e espíritas de Itu.
Giordani também disse que o pedido de adiamento veio da “bancada evangélica” da Câmara, o que causou revolta de Maria do Carmo Piunti (PSC) e Dr. José Galvão (União Brasil). O presidente então se justificou e disse que o pedido veio de um vereador evangélico, não de uma bancada, para “melhor discussão”.
Eduardo Ortiz (MDB), que votou a favor do adiamento, disse que apoiaria o projeto caso ele fosse votado e que concorda que, se há homenagens e projetos voltados para evangélicos e católicos, deve se ter para outras religiões. “Eu sou católico e não vou deixar de ser católico porque eu voto favorável, por exemplo, a um projeto que homenageia um pastor evangélico”, disse o edil, que justificou o voto pelo adiamento para que o projeto não fosse rejeitado de cara.
Mais confusão
Maria do Carmo Piunti pediu a palavra e comentou que votou a favor porque a articulação pelo adiamento partiu do próprio autor do projeto, o presidente Ricardo Giordani. “Eu realmente não consigo entender”, disse ela. Já Giordani afirmou que, em um parlamento, é preciso “convergir ideias” e que foi procurado por vereadores que pediram o adiamento. “Eu penso mais no grupo do que em uma coisa pessoal minha”, afirmou.
Normino da Rádio (Cidadania), que é evangélico e líder do Governo na Câmara, afirmou que o pedido de adiamento é regimental e pode ser feito em qualquer projeto. Ele lembrou que, quando apresentou o polêmico projeto que proibia os chamados “banheiros multigêneros” em Itu, conversou com todos os vereadores para conseguir a aprovação – o que ocorreu. “Que isso sirva de exemplo para articular melhor as coisas nessa Casa e ninguém é obrigado a engolir qualquer coisa goela abaixo”, declarou.
José Galvão, que também é evangélico, deixou claro que não pediu, nem articulou o adiamento do projeto. Thiago Gonçales reconheceu que faltou articulação dos autores e que, se fizessem isso, o projeto teria sido aprovado. “É importante para a cidade de Itu essa representatividade, principalmente na Câmara de Vereadores, porque, afinal, somos vereadores de todos”, afirmou o edil.
Mané da Saúde voltou a se pronunciar e disse que nos bastidores ouviu articulações para o adiamento, com sugestões de até 10 sessões. “Tenho certeza que daqui cinco sessões esse projeto vai estar aqui de volta e a única coisa que vai mudar é a data”, declarou. Giordani voltou a comentar que pensa no coletivo e fez um mea culpa, já que ele, como presidente, faz a pauta e poderia ter articulado melhor. Agora, o projeto deve voltar a ser discutido apenas no dia 19 de março.