Tributo a Chico Anísio

J.C. Arruda

O Brasil inteiro não falou de outra coisa quando da partida de Chico Anísio para o andar de cima. Não se ouviu sequer uma palavra negativa sobre a pessoa dele, nas dezenas ou centenas de pessoas ouvidas a respeito, pela imprensa. Resumindo tudo que se leu ou ouviu, chega-se a conclusão que Chico era um gênio. Houve quem tentasse engrandecê-lo, chamando-o de Charlie Chaplin brasileiro. De certo modo, Chico foi para o Brasil, superior ao que Chaplin representou para o mundo inteiro.

Na era do rádio, foi líder inconteste de audiência. Quando veio a televisão ele melhor ainda se moldou à nova mídia quando pode então concretizar a criação de seus mais de duzentos personagens mantendo, da mesma forma, a preferência de audiência. Quem acompanhou-lhe a trajetória, sabe que ele fez também inegável sucesso no teatro quando fazia no palco suas apresentações “solo” naquilo que hoje é considerado a febre do humorismo nacional: o stand-up. Sem exagero, Chico Anísio foi, espontânea e talvez inconscientemente, o criador do stand-up, há décadas. Mesmo no cinema, onde atuou não muitas vezes, teve desempenho excelente como ator, fazendo papéis sérios.

O que nem todos sabem é que o já saudoso artista foi também escritor e poeta. Teve vários livros publicados, quase sempre com crônicas bem humoradas, nas quais contava causos do Nordeste e de outras regiões brasileiras, alguns verdadeiros, outros nem tanto. E, nesse ponto, não tenho porque esconder que esta coluna do JP, que vai completar mais de quatro anos, “Histórias e Milongas”, não passa de uma cópia descarada da ideia original de Chico Anísio, embora este escrivinhador, eu, tenha a consciência de não ser digno de amarrar as sandálias do mestre desaparecido, quanto a qualidade literária. Mesmo assim, me atrevo a lembrar de uma entrevista que Chico concedeu ao grande Rolando Boldrin, na Tv Cultura, há uns cinco ou seis anos, talvez mais, no programa “Senhor Brasil”.

Inicialmente, Boldrin declamou um poema (em versos) tão longo quanto lindo de autoria de Chico. Em seguida, este contou várias histórias (ou seriam “Milongas”?) das quais guardei uma cujo enredo é, mais ou menos, este:

Em Maranguape, cidade onde Chico nasceu, naquele tempo os velórios eram um acontecimento que reunia dezenas de pessoas entre familiares e amigos que vinham passar a noite para chorar o defunto e consolar a família enlutada. Esta, por sua vez, procurava recepcionar convidados e participantes do velório da melhor maneira possível, dentro das peculiaridades da ocasião. Foi assim que, quando Tòzinho morreu a repercussão foi grande na cidade. Veio todo mundo. Aliás todos, não. Faltou um. Exatamente Lilico Cavalcanti que, na ocasião, estava em Fortaleza trabalhando. Melhor explicar: Lilico continuava a morar em Maraguape, mas arrumou um emprego na capital, a 80 quilômetros, sendo que só vinha uma vez por mês para a terra natal.

Assim, quando Lilico desceu do ônibus na rodoviária de Maraguape, mal avistou Zilando Do Armazém e este logo foi dizendo: – Lilico, ficaste sabendo da morte de Tòzinho?

– Não me diga homi! Tòzinho morreu?

– Morreu de repente e teve velório.

– Ah! Teve velório é? E ninguém me mandou avisar? São só 80 quilômetros, daria para vir e voltar no mesmo dia…

– Pois é, acho que foi a correria. Mas, foi tudo dentro dos conformes. Teve mungunzá, bolo de milho, suco de pitanga…

– Então teve até suco de pitanga?

Lilico procurou se afastar logo do local com um ar de decepção. Mas, logo ao pegar a Rua do Comércio, ainda de mala na mão, deu de cara com Olívio do Cartório. Antes mesmo de cumprimentar Lilico, foi logo contando o Olívio:

– Lilico, o nosso amigo Tòzinho morreu. Só faltou você no velório. Teve cuscuz de palmito, tutu com feijão de corda e até licor de genipapo!

– Ah! Teve cuscuz é? E eu nem fiquei sabendo.

Lilico se livrou de Olívio e continuou com a mala. Quando pegou a ladeira da igreja, teria que passar bem em frente à casa de Dona Floripes, mãe de Tòzinho, o estimado falecido. Ela estava na janela.

– Então Tòzinho morreu, Dona Floripes? Só agora fiquei sabendo.

– Prá você ver, Lilico. Mas, foi tudo muito rápido. Teve um pequeno velório. Mandei servir uns bolinhos de aipim com camarão, mais umas cocadas brancas e também…

Nesse ponto, Lilico a interrompeu encerrando o assunto:

– Olha Dona Floripes. Se Deus quiser qualquer dia deste vai morrer alguém da minha família e a senhora pode crer que não vou convidar nenhum corno de Maranguape para ir ao velório!

E saiu pisando duro.