Um resgate da história, da cidadania e da dignidade de Itu

Por Ana Paula Quinteiro Capelli*

 

Nessa semana muito se discutiu sobre a “Lei das Fachadas”. Proposta polêmica, mas que deve ser analisada enquanto um projeto de resgate da história, da cidadania e da dignidade.

Não sou ituana, mas me mudei pra cá muito pequena, cresci no Centro da cidade, brinquei nas praças, andei de bicicleta nas suas ruas e becos, mas também vi o Centro ser abandonado e se degradar, assisti o descaso com que nosso patrimônio foi tratado e, por isso, me tornei uma defensora desse patrimônio e gostaria de convidar a todos para um passeio pela história, pela arte e pela arquitetura do Centro Histórico de Itu.

Vamos começar o nosso passeio viajando no tempo e aterrissando em pleno século XVI, mais precisamente no ano de 1590, menos de um século após o descobrimento do Brasil. Foi nessa época que se iniciou a ocupação da área que, hoje, chamamos de Eixo Histórico. A fundação oficial da cidade data de 2 de fevereiro de 1610, quando, sob as bênçãos de Nossa Senhora da Candelária, a capela erigida em seu nome foi inaugurada no atual Largo do Bom Jesus, oficialmente, Praça Padre Anchieta. Aliás, esse é um ponto muito importante para conhecermos a importância do nosso Centro, o traçado urbano do é formado por ruas e largos (do Cruzeiro, do Bom Jesus, da Matriz, do Carmo, do Patrocínio e do Quartel), que, nada mais são, que “alargamentos de ruas”. Esse é o nosso mais antigo tesouro, o traçado urbano, único exemplar no Brasil do que chamamos de urbanismo setecentista, do século XVII, com referências da colonização portuguesa e espanhola. Uma raridade, uma preciosidade.

Continuando o passeio por esse cenário mágico, nos deparamos com prédios maravilhosos, exemplares arquitetônicos importantíssimos, que nos colocam dentro de um verdadeiro “Museu a Céu Aberto”. São construções de todos os períodos da história do Brasil e de todos os estilos arquitetônicos. Iniciamos pelo Maneirismo da Capela de Santa Rita, construída em 1728, passamos pelo Barroco da Igreja do Carmo, pela fachada Neoclássica do nosso bem maior, a Igreja da Matriz, além de casas em estilo Rococó, Art Nouveau, Art Deco, chegando ao Modernismo de Le Corbusier no edifício do CEUNSP e no Brutalismo Paulista, do Conventinho. Todos prédios que fazem parte das nossas vidas, do nosso dia a dia, do nosso presente e que devemos preservar para que façam parte da vida das futuras gerações também. São referências para os ituanos, para os não ituanos, que como eu, aprenderam a admirar e respeitar tão importante patrimônio cultural.

Chegamos agora ao ano de 1938, quando, após um ano de criação do atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nosso tesouro, a Igreja Matriz, foi reconhecida como Patrimônio Nacional, primeiro bem tombado pelo instituto no interior paulista. Motivo de orgulho para todos nós.

Próxima parada, 1979, o reconhecimento, passamos a Estância Turística, isso, claro, graças à riqueza da nossa história contada na paisagem do Centro da cidade. Finalmente chegamos ao ano 2000. Após um longo processo, o Centro Histórico de Itu foi tombado pelo CONDEPHAAT e reconhecido pelo IPHAN como de importância nacional. Deixou de nos pertencer para pertencer a todos os brasileiros.

O cenário é histórico, o patrimônio é rico, os tesouros são muitos, mas não sei se repararam, a paisagem estava degradada, vítima de quatro séculos de abandono. Ninguém gosta de viver ou passear num local decadente, por isso a preocupação em recuperar esse espaço, essa paisagem, esse patrimônio e, assim, recuperar a história, a memória, o valor artístico, a qualidade de vida e as relações pessoais.

Foi diante de tudo isso que a administração municipal desenvolveu um grande projeto de recuperação do Centro Histórico. Esse projeto abrangerá a reforma das praças do Carmo e da Matriz, o recapeamento das ruas, a implantação do plano de acessibilidade e o restauro dos prédios públicos, Espaço Almeida Junior, Antigo Velório e o Mercado Municipal.

Mas nada disso teria sentido se a paisagem não fosse recuperada também e para que isso aconteça, é preciso retirar tudo o que cobre as fachadas que formam essa paisagem e trazer à vista todos os elementos arquitetônicos que tanto nos orgulham. Assim foi implantada a “Lei das Fachadas”, um projeto arrojado, corajoso, o primeiro em quatro séculos e que devolverá a dignidade e o reconhecimento a um patrimônio cultural tão importante. É o primeiro passo em direção ao futuro, um futuro de incentivo ao turismo e ao comércio, um futuro de grandiosidade, como deve ser o futuro da Terra dos Exageros.

Vamos valorizar a nossa história, nossas tradições, a banda tocando e as crianças brincando na praça, os costumes, a identidade do povo ituano, tudo isso refletido na grandiosidade do Nosso Centro Histórico. Ele merece.

 

* É Diretora de Obras e Posturas da Prefeitura de Itu.

Um comentário em “Um resgate da história, da cidadania e da dignidade de Itu

  • 12/11/2018 em 10:53
    Permalink

    Cara Ana Paula,
    Muito bom o seu “passeio” pela história de Itu. Quanto a discussão sobre as “Fachadas”, é preciso lembrar, em primeiro lugar, que os afetados devem, sempre, se lembrar que Itu é uma cidade histórica com muita representatividade nos idos de sua história, tanto na economia como na política do país. Assim, preservar o nosso centro histórico é primordial, especialmente para as novas gerações, que precisam aprender, cultuar e respeitar a história de uma cidade de imenso patrimônio histórico, onde o Brasil colonial está vivo e conservado, com convivência harmônica com o moderno.

    Em 1760, já existiam cerca de 105 casas e mais uma rua, chamada da Palma (atual Rua dos Andradas). Na Vila, a maioria das casas, eram pequenas e habitadas por gente que pouco ou nada possuía.
    Alguns anos depois, em 1776, com o crescimento das lavouras da cana de açúcar e do algodão a Vila cresceu contando com 180 casas, tendo ainda as mesmas ruas de antes. Quem deu vida à localidade foram os artesãos (sapateiros, ferreiros, carpinteiros, tecelões, costureiras e fiandeiras), os quais ocupavam 119 casas. Os comerciantes interessados na venda de tecido, colchas e cobertores para outras regiões, promoveram o cultivo de algodão, e a produção caseira de tecidos.

    A partir de 1777, a Vila de Itu cresceu em função dos negócios de exportação de açúcar para a Europa. O número de engenhos de cana e de escravos vindos da África se multiplicaram.

    De 1785 a 1792, foram abertas as ruas que descem paralelas, pelas encostas do espigão central, e seus prolongamentos pelo lado da Igreja do Patrocínio inaugurada em 1.819. Foi um marco da arquitetura urbana com um traçado que inspirou outras cidades. Uma grande via central, a rua Barão do Itaim que começava no Carmo, até o largo da matriz e continuava como Paula Souza, até a estação do trem. O lado direito a rua dos dos Andradas que “subia” em direção a Sorocaba e à direita, a rua Floriano Peixoto (rua do comércio) que “descia” em direção à estação.

    Em 1.811, foi criada a Comarca de Itu.
    Conheça, o Portal http://www.grandeitu.com.br que divulga a nível nacional o Patrimônio Histórico e Cultural da nossa Itu.

Os comentários estão desativados.