A sombra é para poucos

ANA LUÍSA TOMBA

Na busca por um assunto para o qual tivesse a mínima competência em bem abordá-lo, acabei me deparando com dezenas de acontecimentos geradores em potencial de raiva entre os envolvidos direta e indiretamente (os simpatizantes da causa e os totalmente contra).

Um dos assuntos que chamaram atenção foi o caso da professora e blogueira Elika Takimoto, que publicou um texto – a princípio – emocionante sobre a dificuldade que os cotistas negros da escola onde dá aula têm em acompanhar os não-cotistas, em sua maioria brancos. Com muito trabalho pedagógico e esforço, Elika convenceu os alunos não-cotistas a ajudarem os colegas sem privilégios a estudar e conseguir um nivelamento de notas na classe. Até aí, tanto para a professora (de descendência oriental) como para mim (branca e socialmente privilegiada) a atitude foi linda e banhada a empatia – valor social o qual a humanidade vem carecendo quase por completo. No entanto, a professora foi duramente criticada pela publicação e até chegou a sofrer linchamento virtual de algumas pessoas negras. A chamaram, ironicamente, de “princesa Isabel” e “Salvadora dos negros”, primeiro por ter exaltado os alunos não-cotistas como a solução para a igualdade racial e nivelamento do desempenho em uma simples sala de aula e, por isso, abordado de forma rasa a complexa estrutura social racista na qual estamos inseridos.

Elika se retratou e filtrou (entre xingamentos e exposição) as críticas construtivas.     Entendeu que onde achou que havia implantado a semente da empatia, nasceu a flor do preconceito intrínseco na nossa construção social.

Difícil é a tarefa de reconhecer e compreender o ponto de vista do outro quando não sentimos na pele – literalmente – o que o outro sente. É preciso aprender que nada disso é vitimismo, nada disso é “mimimi”. Afinal, não há maneira certeira de definir e categorizar o dia a dia social da vida, nesse contexto, de um negro, enquanto os brancos privilegiados vivem outra. A disparidade é tanta que é possível falar em dois (ou talvez mais) mundos em um mesmo planeta Terra.

Mas a história não acaba aqui. A questão ultrapassa a fronteira racial e chega a níveis interpessoais como um todo. Hoje, a sociedade alimenta-se do individualismo. É como se tivéssemos tijolos em uma mão e cimento na outra. Ações são os blocos de cerâmica e pensamentos são a massa que os conecta. Com o tempo, o muro cresce e nos impede de saber o que realmente se passa lá fora. É o fim da empatia. É o fim da corrente do bem.

A empatia é, muitas vezes, definida não como característica de uma personalidade, mas sim como uma habilidade social que exige exercício diário. Para se ter noção do grau de dificuldade, o convido a uma primeira (e mais simples) atividade sobre empatia: ouça.

Ouça o que uma segunda pessoa fala (ou deixa de falar). Ouça e processe o que ela quer dizer com isso. A comunicação oral nem sempre é o melhor canal para a transmissão de uma mensagem, devido à quantidade limitada de palavras (símbolos) que possuímos, mas é, majoritariamente, a mais eficiente. O fato de refletir a mensagem recebida cria segundas e terceiras interpretações para um mesmo assunto, entretanto, essas interpretações o farão entender com mais nitidez o que a pessoa quer, de fato, dizer.

São essas discussões sem fundamento e julgamentos rasos, como o caso da professora Elika Takimoto, que se tornam geradores em potencial de raiva entre os envolvidos.

Como bem disse o artista Marcelo D2, “o sol nasce para todos, mas a sombra é para poucos”. É mais do que pertinente reconhecer que quem tem o privilégio de ir pela sombra não deve determinar qual será o caminho de quem vive ao sol.