Espaço Acadil: Pelotas/RS – Uma Defesa

Viajei para o Rio Grande do Sul tantas vezes que até perdi a conta. Conheci Gramado e Canela em 1972, a mais de cinquenta anos. Naqueles tempos Gramado só apresenta um único passeio, o Lago Negro e em Canela a cascata dos Caracóis. Hoje é impossível conhecer todas as atrações dessas estâncias em apenas uma semana. A lista é tão grande que não caberia neste espaço e a cada ano surgem novas opções a conferir. 

Gramado destaca-se pela linda arquitetura intitulada “enxaimel” (Fachwerk), telhados elevados com inclinação acentuada que nos lembra cidades europeias. Também aboliu os semáforos, prevalecem rotatórias e todos param nas faixas para pedestres.

Curioso é observar a quantidade de pessoas que viajam para a Europa, USA, Dubai e Japão e não conhecem a beleza e os atrativos da serra gaúcha.

O gaúcho é um povo acolhedor, maravilhoso e amigo. Passei a respeitar e admirar suas tradições enraizadas e fiz muitos amigos. O gaúcho baguá (bravo e arrojado) é tradicionalmente patriota, ligado à terra, à criação de gado, ao fogo de chão, do churrasco, vinho e mate. Nada como boas conversas e fazer correr uma cuia do fumegante chimarrão que aquece as mãos e as gargantas na gélida campanha sulina.

Movido pela curiosidade, perguntei a um gaúcho baguá os porquês da fama que Pelotas carregava e como surgiu essa história de ser o paraíso dos homossexuais. 

Disse-me que essa história é de longa data, por volta do início do séc. XX. Naqueles tempos, muitos estancieiros criadores de gado e muito machos enviavam seus filhos homens para estudar e serem educados na França, mais exatamente em Paris.

Decorridos vários anos eles voltavam ao lar paterno, influenciados pelos costumes parisienses da época, causando espanto e gozações.

Vestiam calças apertadas, camisas com rendas nos pulsos, sapatilhas de verniz com fivelinhas douradas e saltinhos, cabelos cortados “à la garçone”. Os mais ousados exibiam maquiagens leves, pó-de-arroz, delineadores e discretos batons.

Nos bailes sacavam lencinhos brancos com rendinhas que carregavam nas mãos para dançar com as “prendas” (lindas mulheres jovens no RS) além de trejeitos esquisitos importados dos parisienses. 

Foi o bastante. A sociedade tradicional de Pelotas espantou-se, rejeitou aquela moda e criticou duramente aquele comportamento.   

Além desses motivos, os estancieiros baguás por excelência deploraram aquilo. Sentiram-se ofendidos, envergonhados e diziam:

– Mandamos nossos filhos para estudar na França e devolveram-nos uns veados!

– Acho que vou puxar meu facão! 

Na realidade não era isso que ocorria, aqueles jovens mantinham-se machos e héteros, apenas trouxeram costumes sociais e modismos adquiridos após anos de convivência com a sociedade parisiense. 

A vida é assim, muitas vezes nos parece injusta, mas continuo admirando e amigo daquele bravo povo gaúcho a quem envio meu saudoso e forte abraço e um até breve.

Guilherme Del Campo
Cadeira  nº 11 | Patrono Mário de Andrade