Pouca ordem, escasso progresso – e nenhum amor

Por Laurentino Gomes*

No seu primeiro pronunciamento na condição de presidente da República em exercício durante o afastamento compulsório de Dilma Roussef do cargo, Michel Temer anunciou o seu novo lema: “Ordem e Progresso”. O governo pode ser novo, mas o lema é muito antigo e, desde o começo, repleto de controvérsia.

Os primeiros símbolos nacionais brasileiros foram criados por decreto do futuro Dom Pedro I no dia 18 de setembro de 1822. Em verde e amarelo, o escudo de armas e o distintivo, também chamado de “tope nacional”, combinavam elementos da heráldica portuguesa, como a esfera armilar (representação da abóboda celeste e do império) e a cruz da Ordem de Cristo, com motivos tropicais: um ramo de café e outro de tabaco ao redor de um campo verde. Era uma simbologia de duplo sentido.

O verde representava as florestas, mas também era a cor da tradição no escudo da real família de Bragança. O amarelo remetia simultaneamente ao ouro do Brasil e à cor da casa de Lorena, usada na Áustria pelos Habsburgo da Imperatriz Leopoldina. O azul, junto como amarelo, já aparecia entre as cores da bandeira do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves, criado por Dom João em1815. A bandeira do Império, de 1822, foi idealizada pelo pintor francês Jean Baptiste Debret. Tinha o fundo verde sobreposto por um grande losango amarelo, no centro do qual apareciam o brasão e a coroa imperiais amoldurados por ramos de café e tabaco.

Derrubada a monarquia, como ainda não houvesse uma bandeira que representasse as aspirações do novo regime, em Quinze de Novembro de 1889 os republicanos usaram em suas manifestações uma imitação da bandeira dos Estados Unidos com cores diferentes. Um estandarte tambem de estilo americano foi hasteado a bordo do navio Alagoas, que levou a família imperial para o exílio dois dias mais tarde. Esses dois símbolos refletiam o fascínio que a jovem e dinâmica república da América do Norte exercia sobre os brasileiros na época. Isso se podia comprovar também no próprio nome do país adotado pelo governo provisório: República Federativa dos Estados Unidos do Brasil.

Essas referências aos Estados Unidos desagradavam, no entanto, parte dos militares mais nacionalistas e, em especial, os adeptos do Apostolado Positivista, cujo líder, Teixeira Mendes, dizia tratar-se de “uma imitação servil” dos símbolos de outra nação. Os positivistas defendiam que o Brasil republicano deveria adotar sua própria bandeira e encomendaram um modelo ao pintor Décio Villares, imediatamente aceito pelo marechal Deodoro da Fonseca por sugestão do tenente coronel Benjamin Constant. Nele, mantinham-se o desenho e as cores originais da bandeira do império, substituindo-se apenas a coroa por um círculo azul com as estrelas que representariam o céu do Rio de Janeiro na manhã de 15 de novembro de 1889. “As cores da nossa antiga bandeira recordam as lutas e as vitórias gloriosas do exército e da armada na defesa da pátria”, justificava o decreto do governo provisório. “Essas cores, independentemente da forma de governo, simbolizam a perpetuidade e integridade da pátria entre as outras nações.”

A nova bandeira provocou grande controvérsia por duas razões. A primeira foi a posição das estrelas. Um especialista consultado em Paris pelo correspondente do jornal Gazeta de Notícias explicou que a dimensão do Cruzeiro do Sul estava exagerada e o eixo da constelação em relação ao polo sul, invertido. Alguns críticos diziam, de forma sarcástica, que, tendo derrubado a monarquia, o governo provisório queria levar a revolução também aos céus e mudar a astronomia. O erro foi, de fato, comprovado mais tarde, resultando em nova versão da bandeira, utilizada até hoje.

Uma segunda polêmica envolveu a divisa “Ordem e Progresso”, colocada no centro de esfera azul. O bispo do Rio de Janeiro se recusou a abençoar a nova bandeira alegando que ela continha apologia de uma seita divergente da religião católica. De fato, a expressão resumia a doutrina do filósofo francês August Comte e adotada como lema pelos fiéis da Igreja Positivista: “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Apesar da forte oposição, a divisa foi mantida na bandeira graças ao apoio de Benjamin Constant, um admirador de Comte. Do lema original, no entanto, eliminou-se o amor, preferindo-se reforçar a ideia de ordem e progresso, conceitos que os republicanos julgavam mais urgentes naquela nova fase da vida nacional.

Ao contrário do que sonhavam Benjamin Constant e seus positivistas em 1889, a tumultuada história republicana brasileira, nesses quase 127 anos, foi marcada por escasso progresso, pouca ordem e, definitivamente, nenhum amor. Como, aliás, os brasileiros de hoje podem testemunhar muito bem.

* Laurentino Gomes é jornalista, escritor e morador de Itu