Sugestão para a retirada de estátuas de bandeirantes gera polêmica nas redes

Por André Roedel

Estátua de Borba Gato em Santo Amaro (Foto: Divulgação/ALESP)

Por conta dos protestos em todo o planeta contra o racismo – motivados pelo assassinato em Minneapolis (EUA), no dia 25 de maio de 2020 do afro-americano George Floyd, estrangulado por um policial branco que ajoelhou-se em seu pescoço durante uma abordagem –, iniciou-se uma discussão a respeito de símbolos e estátuas que perpetuam o preconceito.

No último domingo (07), manifestantes derrubaram a estátua de um mercador de africanos escravizados chamado Edward Colston, tido (pelos brancos) como benfeitor da cidade de Bristol, antigo porto do tráfico negreiro da Inglaterra. Para o escritor e jornalista Laurentino Gomes, morador de Itu, foi uma “injustiça histórica de três séculos” que “cobrou seu preço”.

Tal ato motivou movimentações nas redes sociais brasileiras para a retirada de estátuas que homenageiam os bandeirantes, como a de Borba Gato situada em São Paulo. Porém, o autor de “Escravidão” e um dos maiores best-sellers do Brasil se posicionou contra. “Estátuas, prédios, palácios e outros monumentos são parte do patrimônio histórico. Devem ser preservados como objetos de estudo e reflexão”, escreveu ele no Twitter.

“Com dez metros de altura e vinte toneladas de peso, a atual estátua de Borba Gato no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, é feia que dói. Ainda assim, deve lá ficar. Mas ao passar por ela, as pessoas devem saber quem  foi o personagem e como foi parar no panteão dos heróis nacionais”, disse Laurentino, que é membro honorário da Academia Ituana de Letras (ACADIL).

Estátua de Domingos Fernandes, em Itu (Foto: Marcelo Camargo de Aguiar/Arquivo)

Itu também possui estátua homenageando um bandeirante – no caso o fundador da cidade, Domingos Fernandes. Instalado em 2010 em decorrência dos 400 anos do município, o monumento foi produzido pelo escultor Murilo Sá Toledo.

ANÁLISE

O JP convidou o historiador Luís Roberto de Francisco, membro da ACADIL, para comentar a polêmica instaurada. Confira:

Foto: Beatriz Pires

O movimento mundial contra o racismo é uma reação a um episódio particular de violência nos Estados Unidos, que é um problema histórico e constante lá e aqui, como em tantos outros lugares do mundo. Pouco temos lutado contra o racismo, que é o resultado de modelos de educação que permanecem em certos lugares, famílias e instituições e precisa ser combatido todos os dias. Eu, particularmente não sou pela retirada de monumentos, até porque muitos são nomes de ruas e praças o que demandaria um revisionismo histórico não só em relação aos escravocratas, mas também a quem viveu naquele tempo e não lutou contra o preconceito. E poderíamos pensar em outros tempos e outras causas também. A questão é cairmos em uma armadilha chamada anacronismo, quando pretendemos que as pessoas de outros períodos pensem como nós. É verdade que o Bem e o Mal não mudam. O certo e errado é que se transformam ao longo do tempo, mas é algo difícil de se avaliar. É possível que muita gente nem saiba quem foi Domingos Fernandes ou não o identifique na estátua colocada na Praça da Independência, em 2010. Não participei do movimento em torno dessa homenagem ao fundador de Itu, mas creio que os responsáveis tiveram boa intenção ao olhar para o bandeirante como o fundador da cidade, o “primeiro ituano”, sem avaliar a extensão da problemática em torno da sua biografia de comerciante de indígenas. A crítica aos bandeirantes é um elemento relativamente novo no material didático, posterior ao período de ditadura militar, portanto só é uma demanda na formação dos mais jovens entre os brasileiros. Acredito sim que o Estado, as instituições e sobretudo a escola devem ter uma agenda permanente de luta contra o racismo não só com questões atuais, mas também valorizando figuras históricas  locais de negros e os papéis que desempenharam no passado: trabalhadores comuns, escravos, artistas e intelectuais, cada um vivendo a sua trajetória. No Museu da Música, por exemplo, valorizamos músicos brancos e negros, como José Vitório de Quadros, João Narciso do Amaral e o nosso compositor maior Padre Jesuíno do Monte Carmelo. Tem destaque também o Zé mulato, mestre de samba de roda, talentoso e sem formação musical. Acredito na educação como elemento transformador. As gerações que estão vindo são mais conscientes e saberão melhor construir um mundo de igualdade e oportunidades desde que sejam levadas a pensar de maneira crítica e construtiva. Quem ergueu e decorou a Igreja Matriz de Itu, maior monumento colonial paulista? Mãos negras de trabalhadores e artistas escravos e livres. A história precisa ser contada valorizando todo mundo. E quem sabe erigir estátuas também aos negros de nosso passado…