O PERNAMBUCO

Uma estrada de sítio, de terra, bonita com seus altos e baixos, emoldurada pela paisagem verdejante numa visão de cento e oitenta graus. Silêncio quase total, pássaros e gado quebram a monotonia vez ou outra, mas gorjeios e mugidos não dão conta de musicar estes vastos campos. Neste cenário, um ponto minúsculo mas constante: “seu” Pernambuco.

Ano após ano, todos que por ali passam o encontram em algum ponto do caminho, cada dia num ponto diferente, mas sempre lá. “Seu Pernambuco” têm provavelmente menos anos do que aparenta, o sol de todos os dias castigou sua pele e sulcou seu rosto. Ele vive uma rotina sem novos horizontes e à primeira vista com poucos sonhos. Seu trabalho de roçar a beira da estrada, consome três meses para cumprir o trajeto de mais ou menos doze quilômetros desde o término do asfalto até a Fazenda São Luiz. Depois é recomeçar, recomeçar!

Talvez numa tentativa de evitar a mesmice ou porque ele é mesmo uma pessoa sociável,             conversa animadamente com quem quiser parar para “um dedo de prosa” e acena para todos que passam. Conhece pelo nome cada morador ou proprietário da redondeza e pasmam estes sem disfarce, quando ele afirma que há vinte e um anos faz este mesmo trabalho, nesta mesma estrada. Já matou muitas cobras ele diz e fugiu do bote de outras; diz que quando começa a roçada, sempre reza um “padre-nosso”, porque só mesmo Deus para protegê-lo. Já viu a chuva carregando com força toda terra à sua frente, já comeu poeira até à tosse nas épocas de seca… e lá está , há vinte e um anos!

A estrada é municipal e nas palavras dele “entra prefeito e sai prefeito e eu vô roçando”;   gosta muito de alguns, não suportou outros, “mas sabe como é , eu tô aqui pa trabaiá”. Todo dia vai de bicicleta, mas ela só lhe serve mesmo é na volta, pois na ida é só subida e ele empurra todo o tempo.

Dez horas! Uma sombra e uma marmita! Depois um pouco de descanso para então só largar às quatro.

E a todos, ele dá a impressão de ser feliz e todos acham, que ele realmente é feliz!

E ficam então a cismar: Onde perdeu o “Pernambuco” sua ambição? Ou nunca teve? Como pode lhe bastar a segurança desse salário no final do mês, durante tantos e tantos anos, num serviço sem futuro e sem graça? Ou será que tem graça para ele? Talvez seu limite para a satisfação seja menor, mais rápido para ser preenchido do que o dos outros. Entretanto, mesmo diante desta possibilidade paira a pergunta:   Porque esse nível menor de expectativa nele, trazendo-lhe tão facilmente a paz, quando permeia entre tantos a ansiedade sem fim, de querer fazer, criar, acontecer, mudar e sonhar?

E ficam então sem a resposta os que passam nesta estrada, enquanto continuam acenando para o “Pernambuco”.

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N.A. – Três anos após esta crônica, o “Pernambuco” se aposentou e alguns meses depois aceitou um convite de um amigo para uma viagem longa, de camionete, para buscar alguns animais. Durante a viagem, um acidente de carro colocou um ponto final na vida do “Pernambuco”.

Isso foi o que contaram!

 

Maria Aparecida Thomaz Alves

Cadeira nº 08

Patrono Newton Camargo Costa