Espaço Acadil: Os belos lenços de pano

Maria Lúcia Almeida de Marins e Dias Caselli
Cadeira Nº 01 | Patrono Euclydes de Marins e Dias

“Foste te gabar, maroto,
Que tu me deste um anel;
Eu também te dei um lenço,
Com teu nome: Manuel.”
(Do folclore português)

O aparecimento dos descartáveis, práticos e higiênicos, vem contribuindo para a aposentadoria dos velhos lenços de pano.

Outrora estes encabeçavam a lista dos presentinhos que os namorados costumavam trocar, valorizados por monogramas ou nomes, carinhosamente bordados, conforme diz a trova acima. Na estimativa do afeto, valiam quase tanto quanto as joias.

Em torno dos lenços, giravam também superstições. Se presenteados com eles, deveríamos entregar em troca uma moedinha, para não perder aquela amizade.

Homens elegantes, além do lenço branco no bolso baixo do paletó, costumavam guarnecer o bolsinho de cima com outro, a espocar do invólucro qual flor entreaberta. Recordo-me de um tio, almofadinha e namorador, que possuía invejável coleção deles, caprichosamente ornamentados pelas mãos prendadas das namoradas. Como nunca se lembrava dos aniversários de familiares, surpreendido pelas comemorações, corria ao quarto em busca de um dos cobiçados lenços para oferecer ao aniversariante.

As mulheres se utilizavam de lencinhos finos e graciosos. Serviam para assoar discretamente o nariz e também para enxugar as lágrimas nas incontáveis oportunidades havidas para chorar… Em filmes antigos, viam-se as mocinhas sacudindo lenços nas cenas emocionadas de despedida às gares das estações ferroviárias ou no cais dos portos. Na era dos aviões, tal cenário caiu de linha. Até porque não lhe servem de fundo sonoro os tristonhos apitos das locomotivas ou dos navios, partindo lentamente, mas os roncos ensurdecedores das turbinas.

Nos bailes de outrora, o cavalheiro sempre carregava o simpático lenço branco. Compunha a etiqueta, distinguindo o homem educado. Se colocasse o lenço nas costas da dama, ao enlaçá-la, demonstrava haver frequentado as famosas aulas de dança de salão na conceituada escola de Madame Poças Leitão.

Certa ocasião, já na era dos descartáveis, quando me preparava para amadrinhar um casamento, percebi minha exigente cunhada, em cuja casa me hospedara, a vasculhar-me a bolsa. Surpresa ao constatar a presença insólita de embalagem de lenços de papel, repreendeu-me:

“Ah! Isso não! Vou lhe emprestar um lencinho bordado. Imagine se você resolve espirrar… Tão arrumadinha, ficará deselegante espirrar num pedaço de papel.”

Preocupada, imaginei-me espirrando no altar, ao lado da noiva, em plena cerimônia de casamento. O constrangimento não seria causado pela qualidade do lenço, mas pela inoportunidade do reflexo. Aceitei o empréstimo de bom grado e felizmente não aconteceu o imprevisto. Ou melhor, o previsto. Se me fora atribuída a faculdade de decisão, decidi não espirrar durante a cerimônia. Ademais, o fato de saber que transportava na bolsa aquela pequena peça de cambraia bordada, proporcionou-me agradável sensação de conforto, pois ela era digna de se apresentar em público, na hipótese de precisão. Então achei por bem não aposentar meus simpáticos lencinhos de pano…