O buraco é mais embaixo

LUCAS GANDIA

Em uma semana tomada por desastres aéreos, impasses entre o Senado e o Poder Judiciário, escândalos de corrupção que parecem não ter fim e risos descontraídos entre Sergio Moro e Aécio Neves, o noticiário ainda teve espaço para um dos assuntos mais espinhosos a ser resolvido pelo governo brasileiro: a Reforma da Previdência. Há muito o que ser discutido sobre o assunto, mas certamente a proposta apresentada por Michel Temer se aplica a um Brasil que não existe. Problemas à vista!

O texto da Proposta de Emenda à Constituição 287/2016 já está em tramitação na Câmara dos Deputados e determina uma série de alterações nas regras da Previdência, tanto para servidores públicos quanto para trabalhadores do setor privado. A expectativa do governo é que a PEC seja aprovada já no primeiro semestre de 2017. Para isso, terá de passar pelos plenários da Câmara e do Senado, em duas votações, com maioria de 3/5 dos parlamentares, além de sessões do Congresso Nacional.

O problema é grande e, de fato, precisa ser observado com agilidade, uma vez que a Previdência Social tem um rombo estimado em R$ 230 bilhões para 2017, o que equivale a 3,46% do PIB (Produto Interno Bruto). Entretanto, até mesmo especialistas no setor têm considerado a proposta radical e pesada. Ao que parece, o governo Temer tem dificuldades de enxergar o Brasil além das salas com ar condicionado, água fresca, poltronas ergonômicas e iluminação sustentável.

Propor 65 anos como idade mínima para se obter a aposentadoria é fechar os olhos para os muitos brasileiros que constroem a nação às custas do trabalho braçal, seja nas lavouras, na indústria ou na construção civil. Será que o governo atual conhece a realidade de Estados com baixo índice de desenvolvimento humano, como o Maranhão, onde a expectativa de vida é de 70,3 anos?

Se as mudanças propostas para a Previdência já são pouco plausíveis para a vida de advogados, economistas e administradores de empresas, não é nem necessário explicar por que não possuem cabimento diante das realidades de quem começou cedo na rotina cheia de atividades físicas desgastantes, sob o sol forte e sem qualquer tipo de salubridade. E, sim, o Brasil é muito maior que a região metropolitana onde vivemos, privilegiada por uma economia forte e pela proximidade de grandes centros urbanos.

Às vésperas de 2017, é unânime a reflexão de que as relações trabalhistas do país não podem continuar se baseando em um modelo previdenciário ultrapassado. Contudo, esse debate não pode tratar os protagonistas – ou seja, os próprios trabalhadores – como meros espectadores. Conduzir a discussão de forma unilateral e impositiva apenas reforça a postura de um governo que está mais preocupado em salvar o caixa público do que com a qualidade de vida da população, sobretudo dos mais necessitados. Para um presidente que tem medo de vaias, parece impensável que ele saia do gabinete climatizado para explicar os impactos das propostas junto aos próprios trabalhadores.

Há quem defenda a reforma previdenciária com unhas e dentes – mais por razões partidárias e ideológicas do que sociais e humanitárias, diga-se de passagem. Certamente porque não vivem nos confins do país ou não pararam para fazer contas. Há também a possibilidade de que sejam ligados às Forças Armadas, mas aí a história é outra e merece um capítulo à parte. Para quem sugere o luxo da previdência privada, vale a ressalva de que grande parte dos brasileiros sequer consegue pagar um convênio médico ao longo da vida.

Prestes a dar adeus a 2016, tentamos respirar aliviados pelo fim de um ano que nos levou ao fundo do poço. Suspeito, infelizmente, que o buraco seja ainda mais embaixo.