O policial Querubim

J.C. Arruda

Nem sei como ele conseguiu entrar para a Polícia Militar. Sei menos ainda como é que ele conseguiu se manter como PM, nos mais de 20 anos até se aposentar na corporação. Sim, porque, mesmo antes de se tornar policial, Bim já era mais malandro do que qualquer outro malandro de Itu. Só quando passou a integrar a Polícia é que os ituanos vieram a saber seu nome verdadeiro: Querubim. Ainda assim porque o boletim da corporação que chegou a ser distribuído na cidade, trazia o nome Querubim Silva dos Anjos, um nome que Bim nunca gostou, tanto assim que ele se auto aplicou o apelido pela vida inteira.

Mas, como ia dizendo, Bim não parecia policial. Diziam que só usava farda por obrigação. Quando não estava a serviço fazia questão de usar bermuda, camiseta e chinelos. Era conhecido pela cidade inteira. Principalmente pelos malandros. Aliás, especialmente por estes, com os quais convivia amigavelmente. Jogava futebol e bem. Atuou pelo Auto Futebol Clube e pelo Irmãos Gazzolla, além de outros times menos importantes.

Como todo boêmio, adorava a noite. Por consequência, não gostava nada, nada de ser escalado para dar serviços em rondas noturnas. Costumava ficar até as 22 ou 23 horas, no Snooker do Ataliba exibindo sua competência nessa modalidade. Era craque no bilhar e, não raramente, faturava alguma grana jogando. Em algumas noites, após se cansar do taco, subia até a sede do Auto que ficava no andar superior do mesmo prédio, para enfrentar os craques do baralho. Também nas cartas, era mestre.

Houve uma época em que um Delegado de Itu resolveu dar combate agressivo aos bicheiros que atuavam na cidade. Acontece que Bim adorava o jogo-de-bicho e difícil era o dia em que deixava de fazer sua fèzinha. Cada vez que havia uma blitz, eram presos vários bicheiros (homens e até mulheres) os quais eram conduzidos à delegacia no camburão, chamado de “Corintiano”. Só que, cada vez que Bim era escalado para integrar a blitz, nenhum bicheiro era localizado e a polícia voltava de mãos vazias. Consta que, nessas ocasiões, os bicheiros recebiam um certo aviso com antecedência…

Nos jogos do Clube Atlético Ituano, o saudoso Marechal de Ferro, o estádio geralmente ficava lotado, por milhares de torcedores. Bons tempos aqueles! Então, não era incomum a reação da torcida quando julgava que o glorioso Rubro-Negro de Itu estava sendo prejudicado pela arbitragem. Da mesma forma, não chegava a ser rara a invasão de campo por torcedores inconformados. Foram vários os juízes que passaram sufoco chegando mesmo a apanhar no Novelli Junior, principalmente porque o número de policiais para dar segurança era reduzido.

O interessante é que Bim não perdia um jogo do Marechal de Ferro. Estivesse ou não de serviço. Quando estava de torcedor na arquibancada, agitava o povo, disfarçadamente, contra o juiz. Quando estava de serviço, fazia questão de levar pessoalmente os torcedores detidos, até o camburão que ficava atrás das arquibancadas e, logo que possível, facilitava-lhes a fuga. Nos plantões de Bim, praticamente sempre o camburão retornava vazio para a delegacia. Outros PMs sabiam de tudo mas, ninguém abria o bico, cumpliciosamente.

Bim, nunca se meteu em política. Se fosse candidato a vereador, seria eleito fácil, fácil. Depois que se aposentou, praticamente sumiu de Itu. Está vivendo sua velhice na Ilha Comprida, segundo me contou agora no Dia de Finados, no Cemitério Municipal. Pedi que ele me lembrasse algum episódio curioso da vida policial e ele não falhou. Contou que certa vez em serviço, às 3 horas da madrugada, parou um cidadão, visivelmente bêbado, dirigindo um carro.
Bim perguntou:
– Aonde vai a esta hora?
O bêbado explicou:
– Vou a uma palestra sobre o abuso do álcool e seus efeitos colaterais para o organismo, o mau exemplo, as consequências nefastas para família, bem como o problema que causa para a economia familiar e a irresponsabilidade absoluta.
Bim olhou para ele, sem acreditar e disse:
– Sério? E quem vai proferir essa palestra a esta hora da madrugada?
– E quem pode ser? A minha mulher! Logo que eu chegar em casa…